Thursday, April 12, 2007

Factos e Figuras: Onde Está Chiquinho Conde?

Quem não se lembra, com nostalgia, de ficar horas a fio à procura de Wally num livro repleto de ilustrações tão coloridas quanto lotadas.
É nesse mesmo estado de confusão e perseguição que Chiquinho deixava os adversários. Não por usar um boné encarnado e branco e se esconder no meio de milhares de pessoas que não conhece de lado nenhum. Wally integrava-se igualmente bem quer num mundo cheio de Vampiros, quer num mundo de painéis solares. Chiquinho nem tanto. Fora de Setúbal, um avançado pequeno e algo vulgar. À beira Sado, um portento, uma ameaça constante, um jogador que apresentava sempre um brilho nos olhos e aguardava pacientemente pela oportunidade de fazer o gosto ao pé. Ao serviço do Vitória fez as suas duas melhores épocas: em 1993, jogou por 30 ocasiões, tendo marcado por 15 vezes; mais tarde voltou ao clube, a tempo de disputar 28 jogos e marcar 14 golos, decorria o ano de 1998. Contabilizou também 35 internacionalizações por Moçambique.
Voltando ao estado lastimável em que deixava os adversários, isto ocorria devido à sua reduzida dimensão física (1,71 metros) que o tornava difícil de detectar, e à sua fabulosa rapidez. Assim sendo, os defesas adversários, quando finalmente viam Conde, muitas vezes era já demasiado tarde e a bola já havia encontrado o fundo das redes.
Um dos melhores e mais carismáticos avançados que jogaram no nosso campeonato na década de 90. Na memória fica o fabuloso tridente atacante que formou com Yekini e Chiquinho Carlos, e o coroar de uma grande carreira com a transferência para Alvalade.

"Nasci com 40 anos"

Há jogadores que, no início da carreira, com meros 19 anos, já têm cara de capitão e elemento mais antigo do plantel. Quer pela expressão facial, quer por falta de cabelo ou dentes, saem dos juniores para o plantel principal e já têm uma série de jogadores a pedirem-lhes dicas e conselhos baseados na sua inexistente mas aparente vasta experiência.
O caso mais pragmático será, como toda a gente estará à espera, o de Wilson, central do Belenenses e de Angola.


RATOEIRA TÁCTICA NÚMERO 5: O “EFEITO NASCI COM 40 ANOS”

Baseia-se na máxima “respeitinho é bonito e eu gosto”. O jogador, parecendo de uma geração diferente, receberá um tratamento mais cordial e cerimonioso, do qual se aproveitará para melhorar as suas prestações em campo.



Wilson

Existem 5 ingredientes-base para tirar partido desta “RT” ao máximo. Wilson, como maior expoente do “Efeito nasci com 40 anos”, contém na sua figura esses 5 elementos:

1. O ar cansado (provavelmente de estar farto de ouvir a dupla romântica Roberto Carlos e Néné Santarém, seus companheiros em Barcelos);

2. O cabelo pouco cuidado (o que não tem grande justificação, pois esteve no mesmo clube que Lim, o rei do gel);

3. A barba de três dias;

4. O caminhar algo corcundesco*;

5. O ar cansado (só para dar mais ênfase ao cansaço, que nunca é demais).

Há ainda um ingrediente (melhor dizendo, talvez será uma condição) extra, que é o facto de o jogador não poder ser verdadeiramente velho. Isto simplesmente porque um velho com ar de velho não vai conseguir tirar partido das suas jovens condições físicas para ganhar vantagem sobre o adversário, dado que não tem jovens condições físicas.
Agora se falarmos de um velho com acesso ao poço da juventude, esse sim pode usar esta “RT”, desde que se continue a aparentar como um velhote, apesar de possuir as condições físicas de um jovem.

*andar típico de um sujeito com uma corcunda, ou algo marreta.


Voltando ao jogador, tudo isto pode prejudicá-lo esteticamente. No entanto quem ri por último ri melhor, e quem olhar para os números da carreira de Wilson verá que estamos perante um autêntico génio das “RT”.
Começou como médio no Gil Vicente, em 1994, mas foi quando se transferiu para Belém, em 1999, que se tornou num dos melhores e mais sóbrios centrais do futebol português. Com mais de 200 jogos no principal escalão, formou uma grande dupla de centrais com Filgueira (o estrangeiro recordista de jogos na 1ª divisão, mais de 400).
O internacional angolano será, certamente, dos melhores centrais dos últimos anos em Portugal. Poderia ter voado bem mais alto se não tivesse passado tantas épocas nos escalões secundários. Por outro ângulo, também é verdade que se tivesse voado mais alto, tinha apanhado com mais vento na cabeça e teria ficado careca mais cedo, o que, de acordo com a premissas anteriores, apenas o ajudaria, pelo que prova o contrário do intuito com que esta frase foi aqui colocada.


Manuel Correia

Sempre tive uma dúvida… Se o diminutivo de Manuel é Manel, então porque não diminuir também o nome de Emanuel para Emanel?
Isto para apresentar o próximo quarentão, Manuel Correia, o eterno líder da defesa flaviense. Caso raro de lealdade no futebol nacional, contudo com uma evidente explicação: Os clubes gostam de comprar jovens. Não se vê muitos clubes a investir em jogadores de 32 anos. Ora Manuel, aos 25 anos, já se assemelhava com um veterano de 33, que era a idade que transparecia para os potenciais interessados. Conclusão desnecessária por ser mais que óbvia: ninguém o tentava comprar.
Sorte para o Chaves que contou durante épocas a fio com um sólido central, sóbrio e eficaz, e que ensinou a escola toda ao seu sucessor no eixo da defensiva transmontana, Paulo Alexandre.


André

Escolhi André como podia muito bem ter escolhido Jaime Magalhães, Semedo ou Bandeirinha. Falo daquela famosa equipa do Porto que parecia saída do campeonato da 3ª idade, tantos eram os carecas em campo. No entanto, André compensava a falta de cabelo com enorme garra, imagem de marca das equipas nortenhas.
Eram todos jogadores de imensa tradição no Porto, ou não tivessem equipado de azul e branco durante toda uma década. O que nos diz isto? Que as Antas provocam queda de cabelo. Felizmente que outros valores como Kostadinov e Fernando Couto, com as suas grandes cabeleiras, saíram a tempo do clube. Basta ver o que acabou por suceder a Jorge Costa.


Cao

O caso do cabo-verdiano é diferente dos outros. Rezam as crónicas que Cao não aparentava ser mais velho, ele era mesmo mais velho. O quê? Pergunta o leitor.
Para melhor explicar, trago de volta à memória o caso de Gil, membro da geração de ouro de Carlos Queiroz, juntamente com Figo, Rui Costa e João Pinto. Apesar de ter apenas 21 anos no papel, dizia-se que tinha, na realidade, mais alguns aninhos nas pernas. Isso explica o facto de ter acabado a carreira bem mais cedo.
Mas porque é que isto acontece? Como moram longe dos registos civis, as famílias em África aproveitam e vão registar os filhos logo todos de uma vez, de modo a poupar na viagem. Assim sendo, é comum aparecer um rapaz de 10 anos no registo a dizer: “nasci!”.
Agora que isto está explicado, voltamos a Cao. Também ele foi campeão mundial de sub-20 em 1991. No entanto, esse foi o auge da sua carreira, tendo posteriormente passado por clubes como o Leça, Salgueiros, ou Campomaiorense.
Podem achar que isto é batotice mas, para além da vossa opinião pouco interessar aos intervenientes, trata-se de uma faca de dois gumes. Está certo que têm a vantagem de estarem mais desenvolvidos fisicamente nos escalões de formação, mas por outro lado acabam por jogar menos épocas a sénior, altura em que se ganha o dinheiro a sério.
Actualmente tem-se a mesma dúvida com o avançado do Benfica Pedro Mantorras e com o trinco Ednilson, mas isso agora não interessa a ninguém, e aproveito para desejar as melhoras ao avançado, apelando para que não voltem a fazer uma grande jantarada com todo o plantel encarnado, deixando-o de fora…

O 1 em 4x5x1

No futebol português é apanágio usar-se apenas um ponta de lança. É quase como que uma lei instituída na mentalidade dos treinadores. Mas a lógica prossegue. Outra lei instituída na nossa sociedade é a máxima quanto mais, melhor! Junta-se as duas e tem-se o corolário do ponta-de-lança em Portugal:


Corolário do ponta-de-lança em Portugal:

«Já que só posso utilizar um ponta de lança, quanto maior, melhor.»



E esta é a base ideológica do efeito poste-de-electricidade, que conheceu o seu apogeu na figura de José Torres e, mais recentemente, no gigante checo Jan Koller. Só que nem sempre se arranja um jogador móvel e com bons pés, de dois metros de altura. E os treinadores, quais músicos de jazz, improvisam! Trata-se de uma das mais famosas “RT”, que tem presença assídua no caderninho de tácticas de qualquer mister do campeonato nacional.
Penso que será óbvio, mas nunca é de mais referir que as “RT” são um assunto off the record, e como tal trata-se de um anexo que só consta nos dossiers de estrategias dos treinadores que dão “mais algum” por debaixo da mesa…
Convém, por último, destacar que quando se diz quanto maior, melhor, não se está a referir única e exclusivamente à longitude vertical, mas também à dimensão horizontal. Jogadores como Brian Deane ou mesmo Elpídeo Silva, apesar de não serem especialmente altos (o caso de Silva é o mais flagrante…), compensavam por serem maiores para os lados do que para cima!



RATOEIRA TÁCTICA NÚMERO 4: O “EFEITO POSTE DE ELECTRICIDADE”

Inserir na táctica um grande avançado que leve os defesas atrás, qual poste d
e electricidade cheio de pombos. Isto dará o espaço necessário às penetrações dos companheiros de equipa.



Assim sendo, temos exemplos bestiais na nossa montra de prémios. Roberto Matute, o exemplo dado na introdução, é claramente uma “vítima” deste efeito. Mas muitos mais existem que merecem igualmente ser destacados. São uma classe em perigo de extinção, uns altruístas que importa preservar.



Vinha

O Empire State Building de Paranhos. Digno sucessor de grandes nomes nacionais, como José Águas, Ricky ou Rudi, Vinha era um jogador cujas estatísticas não conseguem revelar a importância que ele tinha na manobra ofensiva da equipa.
Com uma carreira construída no norte, maioritariamente no Vidal Pinheiro, com uma breve mas merecida passagem pelas Antas, o adelgaçado gi
gante, apesar de não denotar a velocidade nem a agilidade de alguns dos seus companheiros de sector, prendia os defesas e movimentava-se sem bola como poucos. Isto sem falar no seu temível jogo de cabeça, ideal para o sistema de jogo “guarda-redes – pivot (Vinha) – avançado concretizador”. No Salgueiros, quando o famoso contra-ataque não funcionava, esse sistema era explorado ao máximo com a tripla Pedro Espinha – Vinha – Toni, ou posteriormente Silvino – Vinha – Artur Jorge Vicente.


Jogador de uma inteligência acima da média, combinava com os outros astros da equipa a um nível transcendental. Glórias passadas e futuras do futebol nacional, como Miguel Simão, Semedo, Abílio, Schuster ou Tulipa foram alguns dos beneficiados por jogar ao lado deste mito dos relvados nacionais.
É, sem dúvida, uma referência do “Efeito Poste de Electricidade” em Portugal.


Skuhravy

Gigante e assustador, dirão uns, Oportunista e cínico, dirão outros. Tudo isso, dirão ainda outros, diferentes dos outros que disseram oportunista e cínico, pois também o acham gigante e assustador.
Melhor marcador do mundial de 90 pela extinta Checoslováquia, em igualdade com Salvatore Schillaci, o rapaz que um dia sonhou jogar a bola viu-se de repente catapultado para os holofotes da fama, numa transferência relâmpago para o calcio. Lá, onde o futebol é defensivo e os defesas são do mais viril que existe no mundo da bola, Tomas, ainda “verde”, não conseguiu impôr o seu futebol.
O Cattenaccio não lhe deu tréguas, e apesar de lhe ser reconhecido valor, nunca conseguiu dar o salto para um grande da Série A. O melhor que fez foram 12 golos em 1994, ao serviço do Génova. Pela selecção, 49 jogos e 17 golos.
Aquele que poderia ter sido o intérprete de um fabuloso “Efeito Poste de Electricidade”, tentou a sua sorte em Portugal, pelo Sporting, onde novamente não teve sorte, apesar de ter batido alguns recordes nos testes físicos. Um remate à trave no Municipal de Chaves foi o porta-estandarte duma efémera passagem por terras lusas.
Com 1,91 metros e 88 quilos, teve o pássaro na mão, mas acabou por esmigalhá-lo.


Miguel Barros

Com 1,92 metros, foi um grande intérprete em potência desta “RT”. No entanto, a potência de nada serve sem a colocação.
Começou jovem, muito jovem, ao serviço dum Salgueiros que contava com grandes nomes como os jugoslavos Milovac e Nikolic, como Rui França e como os mitos vivos de Vidal Pinheiro que foram Madureira e Pedro Reis. Apesar de não ter sido muito utilizado, aprendeu.
As épocas seguintes, aquelas que podiam ter sido as da sua confirmação, não o foram. Salgueiros, Beira-Mar e Leça foram os clubes da 1ª divisão que tiveram Miguel Barros nas fileiras, sem no entanto desfrutarem do talento do altaneiro avançado.
Quem aproveitou foi o Maia, e na 2ª divisão Miguel viveu as suas melhores épocas: 9 golos em 97 e 12 em 98. No entanto, não lhe voltaram a chamar ao principal escalão e, triste, afogou-se nas divisões secundárias.


Birame

Trata-se de um jogador feito para ser usado nesta táctica. Não tinha jeito de pés, logo a sua maior utilidade era servir de grande tsunami, arrastando consigo os defesas contrários.
Tristemente para o nosso futebol em geral, e para jogador e clube em particular, Birame chegou, viu e viu mais um pouco.
Com 190 centímetros por 90 quilos, o senegalês tinha tudo para ser feliz. Era um caso evidente de dois “RT” num único atleta. Por um lado, tinha um físico óptimo para o “efeito poste de electricidade”. Por outro lado, o seu nome era agradavelmente ameaçador do ponto de vista futebolístico: Mame Birame Magave. Se os adversários não ficassem assustados com a sua envergadura, podia-se sempre afirmar que era um exímio praticante de voodoo. Com um nome desses, ninguém se atreveria a desconfiar dos poderes de Dr. Magave, especialista em todos os fenómenos ocultos que dá garantia de sucesso onde todos os outros médiuns falham.
Quiçá para a próxima, com um gestor de imagem como eu, Birame tenha melhor sorte.


Paulo Alves

Porventura o mais bem sucedido de todos os “postes de electricidade”, Paulo Alves teve uma carreira recheada de êxitos, coroada com chamadas assíduas à selecção nacional, onde marcou 7 golos em 13 internacionalizações. Apesar de desengonçado, era um jogador poderoso que absorvia a sua quota-parte de defesas, e ainda lhe sobrava tempo para fazer o gosto ao pé por diversas vezes.
Começou no Gil Vicente, mas foi no Marítimo que se destacou, formando uma dupla que denotava uma enorme cumplicidade, com Alex Bunbury. Disputado pelos dois grandes, acabou por ingressar no Sporting. Passadas três épocas, a aventura no estrangeiro, no Bastia, para regressar um ano depois a Portugal, para Leiria. Acabou por voltar a casa, onde joga, no Gil Vicente.

Trata-se de um avançado que, em condições normais, e dados os minutos de jogo, não só exerce de maneira soberba a “RT”, como também assegura uma dezena de golos por época.
Anos mais tarde, na época 99/00, houve uma dupla que ainda chegou aos calcanhares de Alex e Alves, e ao estatuto de heróis da região autónoma da Madeira. Foram eles Toedtli e Sumudica, que eram municiados por Bruno, em vez de Vado.


Brian Deane

Quando o Benfica o foi buscar ao Sheffield United, clube que alinhava na Division One * inglesa, cedo ecoaram gargalhadas em redor do novo reforço. Comentários como “epá… se a qualidade se contar ao quilo, é com certeza bom jogador”, ou “dá sempre jeito ter meninos desses para fazerem a barreira”.
Cegos, futebolisticamente incultos, não souberam reconhecer a “RT” que Souness queria aplicar ao “seu” glorioso.
Com uma capacidade física a fazer lembrar a cordilheira dos Alpes (não que fosse corcunda ou tivesse bossas como os camelos, mas simplesmente por ser brutalmente grande), Brian apresentava-se à massa associativa com apenas 184 centímetros que, no entanto, estavam bem condimentados pelos seus 87 quilos.
Serviu de “poste de electricidade” para as entradas dos dois avançados móveis, João Pinto e Nuno Gomes, e ainda deu dinheiro a ganhar ao clube, que o vendeu posteriormente ao Middlesbrough.


*divisão equivalente à nossa Liga de Honra.

Separados Quase à Nascença

Não é apenas em telenovelas que os gémeos são obrigados, dramaticamente, a tomar percursos distintos.
Já que entrámos no assunto, pergunto-me se por acaso houvesse um gémeo siamês a jogar futebol, será que contaria como um ou dois jogadores? Partindo do princípio que falamos de um siamês “comum”, ele terá duas cabeças e dois troncos, logo pensará como dois jogadores. Por outro lado, tem apenas duas pernas, como qualquer outro jogador… deixo o pensamento a pairar.

Também no futebol acontecem autênticos dramas familiares, com cada mano a ser obrigado a assinar por um clube diferente. Normalmente, fazem a formação no mesmo clube e, curiosamente, sempre no mesmo escalão. Depois podem passar por um ou outro clube juntos mas, mais cedo ou mais tarde, o destino acaba por vencer e o irmão mais talentoso acaba por subir na carreira, enquanto o outro fica, rancoroso, a preparar uma terrível vingança que irá ter lugar na ceia de jantar da família. Sim, há sempre um melhor que o outro… a vida é dura, pelo menos para um deles.
Outro aspecto curioso nos gémeos é que são raras as ocasiões em que formam, por exemplo, uma dupla de atacantes, ou de centrais, ou mesmo uma dupla de guarda-redes. Normalmente, um joga mais a frente do que o outro, tal como quando nasceram. Com certeza que não saíram do ventre da mãe lado a lado… Pergunto-me agora se por acaso os gémeos, à nascença, também têm aquelas cenas de cerimónia sobre qual irá passar primeiro pelo espaço apertado: “mano, faça favor!”, “não seja infantil, passe você!”.

O caso mais conhecido é o dos irmãos De Boer. E para aqueles que julgavam que o irmão mais talentoso era o que contemplava o público com mais rodriguinhos, estão redondamente enganados! Neste caso, como em diversos outros, o irmão que jogava a central, Frank, era um excelente jogador, enquanto que o seu mano, Ronald, era um avançado que, apesar de talentoso, ficava aquém do seu gémeo.

Passando, como sempre, do internacional para o nacional, apresento o caso dos gémeos com o melhor nome para gémeos de sempre: Zé-Tó e Tó-Zé.
Nascidos em Angola, fizeram-se jogadores nas escolas do Setúbal. Para a subida a sénior estava guardado o maior desafio à sua irmandade, pois foi nessa altura que se deu o grande cisma da família Ramos, para grande tristeza da mãe deles. Perdoem-me se não consegui transpôr para o papel todo (ou algum) o drama que acompanhou esta separação, mas vão poder vibrar com estes manos quando a sua história sair em dvd. Ou talvez não. Interessa?

Uma Questão de Confiança

No desporto rei, como em tudo na vida, a confiança é uma das mais importantes bases do sucesso. Obviamente que se um jogador não tiver jeito, pode ter muita confiança mas mesmo assim não será convocado pelo mister para o jogo de domingo à tarde. No entanto, o mesmo poderá acontecer a um grande jogador, se não tiver a confiança em alta.
Um baixo nível de confiança pode estar ligado a problemas pessoais ou de adaptação, falta de apoio do treinador, dores de barriga/cólicas, ou mesmo problemas no pagamento das prestações do zeppelin.
Um caso que salta à vista é o de Juan Roman Riquelme, astro argentino. No Boca Juniors, sob o comando de Carlos Bianchi, treinador que o idolatrava, Riquelme era um génio, a referência da equipa e um jogador que desequilibrava as partidas. Transferiu-se para Barcelona, onde encontrou uma realidade bem mais dura. O sisudo e geométrico Van Gaal cedo disse não precisar do jogador – primeiro aroma de falta de apoio -, o que juntamente com as inerentes dificuldades de adaptação a um novo continente, fez com que o nº10 proveniente das pampas fosse engolido por uma maré negra de falta de confiança. Na cidade condal nada fez, tendo sido emprestado posteriormente ao Villarreal.
Trata-se apenas de um exemplo de uma situação muito usual no futebol. Passando para o panorama nacional, podemos destacar algumas situações.


Andrejz Juskowiak

Avançado polaco melhor marcador dos jogos olímpicos de 1992, Jusko, como era carinhosamente apelidado, teve uma primeira época de difícil adaptação. No entanto, a segunda época começou de feição para o espadaúdo loiro. 10 golos nas 16 primeiras jornadas agoiravam uma época em grande para o ponta de lança. Fazendo uma regra de três simples, se em 16 jogos marca 10 golos, em 34 jogos marcaria 21 golos, suficientes para igualar Hassan no topo da lista de melhores marcadores, superando um Domingos Paciência em auge de carreira e a revelação do Tirsense, Marcelo.
Mas o futebol de ciência exacta pouco tem, e a mente humana é algo de obscuro e imprevisível, especialmente quando não se encontra medicada. Rezam as crónicas que Carlos Queiroz não tinha as qualidades humanas que eu exigi ainda há pouco, por ocasião do “anti efeito-sombra”. Nem a «vantagem de ter duas pernas», como certo dia um comentador verificou muito acertadamente, valeu a Juskowiak a redenção perante aquele que veio a treinar o Real Madrid.
Beneficiou o campeonato alemão, que passou a contar com um extraordinário ponta-de-lança.


Vítor Vieira

Grande promessa belenense, Vítor começou a época de 94/95 em grande nível, quer jogando como titular quer entrando já no decorrer da partida para invariavelmente injectar nova dinâmica ao seu flanco. Tudo isto nas seis primeiras jornadas, tendo voltado à equipa na 10ª e 11ª jornada, antes de ser descurado por completo pelo mister da altura, o luvas negras João Alves.
Será pelo Belenenses da altura possuír um plantel recheado de grandes valores para o lado direito, caso de Tulipa, M’Jid ou Zoran Ban? Ou será descriminação pela provável cena de peidos a caminho de Guimarães?* João Alves não teve a humanidade para ver que se tratava de um jovem de apenas 22 anos, e não soube extrair o néctar de uma fruta futebolística com uma doçura acima da média. Perdeu ele e o clube, enquanto “o nómada” foi fazer furor por outros clubes durante as épocas que se seguiram.

*Alusão a um provável acontecimento explicado no post dos Saltimbancos. Para mais, consultar o mesmo.

Factos e Figuras: Pedro Miguel, Cabelos ao Vento

Eu escrevo: rebelde de longos cabelos ao vento, sem lugar fixo na frente de ataque, sempre de olhos apontados para a baliza adversária. Vossa excelência lê: Pedro Miguel.
Primeiro em Leiria, posteriormente em Braga, e finalmente em Belém, o raçudo avançado sempre teve lugar cativo no onze, fosse qual fosse o mister. Jogadores como ele não se encontram facilmente em Portugal: rapidez de pensamento e execução, poder de arranque e velocidade acima da media, facilidade e espontaneidade no momento do remate, mas sobretudo, disposto a fazer uma missão de sacrifício, cansando e massacrando a defensiva adversaria em prol da equipa, com constantes e irreverentes deambulações. Se a tudo isto juntarmos o facto de só se pentear ao intervalo e no final do jogo, eis que estamos perante o Sansão dos nossos relvados.
Em Braga, onde se pode dizer que atingiu o auge da carreira, com o número 14 nas costas, fez uma dupla que ainda hoje provoca saudades nos adeptos do bom futebol. O nome do seu parceiro de ataque? Mladen Karoglan. Os dois, apoiados pelo tridente Vado-Barroso-Pedro Estrela, não davam descanso às defesas contrárias.
No Belenenses, o numero 9 não lhe trouxe tanta fama como o 14, mas mesmo assim fez uma dupla eficaz com Calila, ambos a flanquearem jogo para o ponta-de-lança marroquino Fertout. Perdeu-se à beira Tejo, com velhas lêndias do restelo a atacarem-lhe o tecido capilar, tendo acabado a carreira de forma inglória, a jogar em divisões secundárias, certamente aquários de dimensão reduzida para o grande peixe futebolístico que Pedro sempre foi.
Resta-nos recordar, com angustiante nostalgia, as longínquas tardes de bom futebol em que o sol brilhava nos olhos e no basto cabelo pintado a tons de Outono de Pedro Miguel, à medida que ele corria desalmado e salivante em direcção a baliza adversária.

Ovnis Futebolísticos, tomo 3

Parte IV: Travessias no deserto e o efeito-sombra

Quando um influente e famoso jogador sai de um clube, apresenta-se ao treinador a difícil e delicada tarefa de contratar nova mais valia para ocupar o lugar vago. Esta situação é muito sensível, pois o nível de exigência imposto à nova coqueluche é enorme. Ele terá a missão de, ao entrar em campo, “exorcizar o fantasma” do antigo craque. O jogador pode ser muito bom, mas se não conseguir fazer esquecer o seu predecessor, então a sua carreira no clube estará comprometida.
O maior exemplo desta situação aconteceu nas Antas, quando Vítor Baía abandonou o clube para ir jogar na Catalunha. O fantasma era gigante e intimidador. Diversos bravos guerreiros entraram nas masmorras das Antas de arma em punho dispostos a exorcizar o espectro de Baía. No entanto todas as tentativas saíram goradas, tendo o fantasma ceifado meia dúzia de carreiras.
Wozniak, internacional polaco, Lars Eriksson, Rui Correia, Pedro Espinha, Ivica Kralj e Costinha, todos eles tentaram sem sucesso calçar os grandes tamancos deixados vagos pelo antigo titular da selecção das quinas.
Situação macabra aconteceria posteriormente, quando Vítor regressou ao clube, ainda fragilizado por umas más épocas sob o comando de Van Gaal. Também ele teria que exorcizar o seu próprio fantasma. Um combate épico travou-se na mais alta torre da fortaleza das Antas, entre o Baía do presente e o Baía do passado, o Baía-real e o Baía-espectro. Depois de um início de combate duro, o verdadeiro Baía acabou por vencer e convencer os adeptos de que estava de volta… ou será que quem acabou a defender as redes dos dragões foi uma alma penada de um jogador que, outrora, foi craque?


Voltando à teoria, resolvi renomear o acto de “exorcizar o fantasma” como “Efeito-Sombra”, pois o jogador estará sempre coberto pela sombra do antigo jogador até o conseguir fazer esquecer.



ANTI - RATOEIRA TÁCTICA NÚMERO 1: O “EFEITO – SOMBRA”

Trata-se do traumático síndrome do pai-famoso (só que sem o pai), em que a nova contratação é inevitavelmente comparada ao jogador-mito que está encarregue de fazer esquecer. Trata-se de um efeito extremamente nefasto quer para a equipa como um todo, quer para o jogador em questão, daí ser uma anti-ratoeira táctica.



Remédio santo para o efeito-sombra

Trata-se de uma solução bastante simples. No entanto, como a maior parte das grandes soluções, por detrás da inerente simplicidade está uma genialidade que só está ao alcance de alguns misters.

Vou usar um simples exemplo. Com a transferência de Krassimir Balakov do Sporting para o Estugarda, criou-se um enorme vazio nos corações leoninos. Era necessário um novo número 10, um regista com pés mágicos e visão de jogo apenas comparável a Mário Artur e Amaral*.
No entanto, não foi o único a abandonar o clube… nessa mesma época também saíram Luís Figo (trata-se de um caso semelhante, cuja mesma solução pode ser aplicada), Pacheco, Capucho e Chiquinho Conde, entre outros.
Vou aqui tentar recriar a conversa entre Carlos Queiroz e Roberto Assis, contratado para substituir o número 10 búlgaro. O brasileiro irmão de Ronaldinho Gaúcho viria a ser novamente emprestado nessa época, provavelmente devido à não utilização deste método. No entanto, imaginemos:


CQ: Olá, Assis, é um prazer ter-te aqui no clube, e só te desejo uma fácil integração para começares a dar alegrias aos sócios o mais cedo possível.

RA: Obrigado, mister. No entanto, o peso de substituir o Balakov me pesa forte sobre os ombros.

CQ: Quem te disse isso? Não te preocupes, pá! Tu vens é substituir o Capucho.

RA: O quê? Você está falando sério? Então quem foi contratado para substituir Krassimir?

CQ: O Ouattara. Mas ele tem uns ombros maiores que a Grande Muralha da China, por isso acho que vai aguentar com a pressão.

RA: Mas eu pensava que o Ahmed vinha substituir o Chiquinho Conde, dado as parecenças físicas e futebolísticas…

CQ: Oh! Não sejas tonto! Quem vem substituir o Chiquinho é o Afonso Martins, que também é baixinho.

RA: Obrigado mister, você é demais.

CQ: Eu sei… se não quiseres substituir o Capucho, a sombra do Pacheco ainda está disponível, e assim metíamos o Vidigal na vaga do Capucho, mas isso já é contigo.


Com este simples exercício de manipulação mental, o treinador teria facilitado muitíssimo a vida do novo reforço, desbravando caminho para que ele exprimisse todo o seu futebol no relvado. Trata-se de uma ratoeira-mentalotáctica:



RATOEIRA MENTALOTÁCTICA NÚMERO 1: O “ANTI EFEITO-SOMBRA”

Nunca dizer à nova coqueluche do clube quem é que ele veio realmente substituir no coração dos adeptos, sob o risco de sub-rendimento provocado por um peso tremendo sob os ombros, ou excesso de sombra.


Fica aqui provada uma coisa: tal como existe uma reacção para cada acção, também existe uma anti-ratoeira para cada ratoeira. Trata-se, no entanto, de um processo delicado que exige, por parte do mister, uma grande capacidade humana e sensibilidade no limite da heterossexualidade.


*
Referência ao alargado ângulo de visão de ambos os jogadores, presente no post "Acho bem que tenhas uma boa razão para esse cabelo - O Drama dos Maus Penteados."

Ovnis Futebolísticos, tomo 2

Parte III: Tiro no pé

Não são raras as vezes que o anónimo adepto de futebol questiona “quem serão os olheiros do meu clube?”. Isto após assistir à mais recente e dispendiosa contratação do seu clube a tratar o esférico por meritíssimo.
Quero nesta secção destacar algumas dessas contratações e perguntar da mais alta das montanhas que não nos congelam a ponta do nariz e do fundo dos meus pulmões, mas com uma voz peculiarmente frouxa: “porquê?”. Quão amblíope poderá ser um olheiro até o considerarem legalmente cego?
Eu quero, palavra de escuteiro que nunca fui, acreditar que eles não são tão maus quanto aparentaram. Inadaptação, casco partido, ou os já referidos peidos nauseabundos de Vítor Vieira no autocarro da equipa, deve haver uma explicação verosímil para tamanha aparente falta de jeito. Aos visados, que tenham tido noutros clubes melhor fortuna do que em Portugal.


Gil Baiano

Se é para começar, que se começe em grande! Com uma espessura capilar inversamente proporcional à qualidade futebolístico, Gil Baiano chegou ao aeroporto da Portela com um discurso vencedor: “sou um defesa com grande projecção ofensiva, e bato bem livres”.
Estávamos na época 96/97. De Gil esperava-se no mínimo um Cafú obeso. Mas tal como se diferenciava do capitão da canarinha pelo diferente ramo capilar por onde enveredou, poucas semelhanças também foram encontradas nos atributos futebolísticos.
Com a venda do latifundiário do terreno lateral direito dos últimos anos, Fernando Nélson, candidataram-se à posição Gil Baiano, Abdelilah Saber e Luis Miguel. 3 sapos para um galho. Robert Waseige, treinador na altura, ainda beijou Gil em busca dum bem aparecido principe para a faixa dextra defensiva, mas após 10 jornadas a titular e uma derrota em Setúbal, o brasileiro largou definitivamente o lugar. Passada outra jornada, o amargo de boca surgiu entre os arcaicos e mirrados lábios do treinador belga que, vítima de um há muito anunciado falhanço colectivo, foi psicológicamente chicoteado, dando lugar a um tal de Octávio “muito trabalho” Machado.


Balajic

Chegou a Alvalade proveniente do Varteks, consagrado clube croata. Fugia da instabilidade dum país na ressaca da guerra civil, e esperava encontrar a paz nas margens do Tejo.
Possante (1,83 metros por 78 kg.), auto caracterizou-se como sendo uma mescla entre Paolo Maldini e Roberto Carlos. Esqueceu-se foi de especificar quais as características que possuía de cada um. Arriscamos aqui dizer que de Maldini, porventura o chulé e o número que calça. De Roberto, o traulitar projectado e o gosto por Goran Bregovic*.
Em Alvalade, aquele que outrora havia sido visto como potencial sucessor de Jarni na selecção croata pouco ou nada fez. A forte concorrência do central Vujacic adaptado à esquerda e recentemente entrado na casa dos intas, de um Pedrosa que sonhava em ser trinco (a tendência a posicionar-se no centro do terreno era de moer a paciência a qualquer adepto leonino), ou mesmo de um Carlos Fernandes acabado de chegar a sénior, também não facilitaram a adaptação do potencial Roberto Maldini. Ou seria Paolo Carlos?

*compositor sérvio.


Ivica Krajl

O resumo da carreira de Krajl em Portugal resume-se a meia dúzia de jogos, os correspondentes frangos, e muitas piadas com o seu nome.
Não está mau, para quem custou meio milhão de contos e era titular da selecção jugoslava que, como é apanágio da maioria dos países de leste, é uma famosa escola de guarda-redes.
Fazendo as contas, se houver 15 anedotas* com o nome ou com os “patos” de Ivica, fica qualquer coisa como 33.000 contos a graçola.
Assim sendo, podemos eleger Ivica Krajl como o mais caro comediante do futebol português!

*Número estimado depois de uma intensa pesquisa junto dos maiores (fisicamente) comediantes nacionais.


Michael Thomas

Antigo internacional inglês e estrela em clubes como o Liverpool e o Arsenal de Londres, veio para a Luz rotulado como o “homem que vai pôr este meio campo na ordem”. No entanto, vá-se lá saber porquê, os sempre ponderados, escrupulosos e elegantes aficionados benfiquistas nem lhe deram o benefício da dúvida. Mal os colegas lhe endereçavam a bola, um ensurdecedor coro de assobios viajava do terceiro anel ao relvado. Pura e simplesmente, o já-não-tão-jovem-como-outrora Michael não conseguia estabelecer o contacto silencioso com o couro.

Dono duma velocidade digna dum poste de electricidade, compensava através da perfeição com que executava a vertente táctica do jogo. Canalha esta sociedade que habitamos, na qual as qualidades tácticas são apreciadas somente por treinadores e comentadores, escapando ao olhar arcaico do vulgar adepto de futebol. Só passa a redondinha para o lado? Assobia! Não sobe perigosamente no terreno para fazer o gosto ao pé? Assobia! Não tem as unhas cortadas convenientemente? Assobia e cospe!


Como certos gurus do relato diriam, tratava-se de um jogador «esclarecido, de cultura táctica, importante para o grupo de trabalho». Como certos misters de bancada diriam, isso é uma boa descrição para o encarregado da relva, para o condutor do autocarro dos jogadores, ou para o cabrão que anda a pinar a minha mulher.

Voltando às assobiadelas, todos nós sabemos o quão desagradável é ouvir um enorme coro deles vindo de 50.000 pessoas. Ou talvez não o saibamos, mas com um pouco de senso comum enquanto equipados com justos calções encarnados, certamente que conseguimos imaginar. Para aqueles que ainda estão com dificuldades, imaginem o incómodo que será voar com um bando de aves barulhentas enquanto migram para climas mais quentes (partimos do pressuposto que o leitor se imaginou como uma das aves, ao invés de como um ser humano mutante alado).

Se cada vez que a bola tocava em Thomas era meio caminho andado para uma valente enxaqueca, os jogadores do Benfica começaram a fazer o lógico: ninguém passava a bola ao trinco britânico. Este ficava no meio do campo a pedi-la incessantemente, mas o esférico, para bem dos tímpanos ao nível do relvado, nunca lhe chegava. Assim sendo, Souness acabou por ver que, a atacar, o seu Benfica jogava 10 contra 12, pois Michael Thomas cortava uma imensidão de linhas de passe. E foi assim que o jogador que veio da terra dos Beatles caiu em desgraça no seio da equipa e perdeu o lugar como patrão do miolo encarnado.

Não obstante, e apesar de ter chegado a Portugal putrefacto, Michael Thomas foi sempre um digno cumpridor do código de conduta do clube, algo que salutamos, ou não fosse o nosso lema «Antes um valente aselha mas bom profissional do que um anão em campo».


Jean Jacques Missé-Missé

Ao falar do treinador belga Robert Waseige, é inevitável falar do seu menino d’oiro. O único jogador que veio do Charleroi para o Sporting aquando da contratação do treinador foi este avançado móvel, o internacional camaronês Jean Jacques Missé-Missé.
Rotulado de diabo para qualquer defesa, tratava-se de um deambulador ofensivo que transformava a cabeça de qualquer defesa em papas de aveia com as suas constantes movimentações e raides. Tantas eram as deambulações que terminou deambulando-se constantemente para fora das zonas de finalização, acabando deambulado no banco de suplentes: vítima dos resultados, o treinador não durou muito tempo, deixando o seu filho africano órfão de pai em pleno Estádio de Alvalade. Octávio não engraçou com o avançado, e a concorrência também não facilitou: Paulo Alves (lenda viva do efeito-poste*), Ahmed Ouattara (esse tractor humano originário da Serra Leoa) e César Ramirez (Platini do Paraguai) nunca deram grandes veleidades a Jean Jacques.
Prosseguiu carreira na Turquia, mas o trauma da orfandade nunca mais foi superado, e os olhos de Missé-Missé jamais brilharam como quando perto de Waseige.
No entanto, fica para a história, assentado nos registos como o jogador que iniciou a lenda de grandes avançados com o número 16 na dorsal verde-e-branca: Missé-Missé, César Ramirez e, posteriormente, Mário Jardel.

*Ratoeira táctica que será desenvolvida atempadamente.


Julian Kmet

Ao pensar no extremo esquerdo, começamos a ponderar qual será o tempo de adaptação razoável necessário para que um jogador se sinta integrado no novo clube e na nova realidade com que se vê deparado.
Kmet chegou a Alvalade em 1998, juntamente com Duscher. Foi uma dispendiosa contratação que visava solucionar os problemas do lado esquerdo leonino, órfão desde há muito.
Duscher tornou-se imediatamente num elemento indispensável no meio campo leonino. Kmet continuou a passear o seu belo penteado na parte de fora das linhas laterais. Estranho foi o facto do mister Jozic não lhe ter dado praticamente tempo nenhum de jogo para que este provasse diante do público ser merecedor de confiança.
Depois de muito estudo decidi estabelecer o tempo razoável de integração em meia época. Beto Acosta chegou a meio da época e só começou a “bombar” na época seguinte. Carlos Paredes também não foi titular mal chegou ao Porto. São jogadores que vinham com provas dadas nos países de origem, e após uns meses mais duros mostraram todo o seu valor. Não duvido que Kmet fosse um bom jogador na América do Sul, pois havia sido internacional sub-20 e custou ao Sporting mais de meio milhão de contos. Infelizmente, nessa altura, 2 coisas jogaram em prejuízo do atleta: o facto de a paciência (humana) ter limites, e a triste circunstância de ainda não ter sido inventado o “adaptador” (máquina em que o jogador entra por uma extremidade, ainda inadaptado ao clube, saíndo da ponta oposta no limiar das suas capacidades futebolísticas). Azar, Julian Kmet. Que grande azar.


Jacaré

Chegou ao Bessa na época de 97-98 rotulado de avançado matador. Na altura foi a contratação mais cara de sempre do clube axadrezado. Proveniente da já mítica cantera do Avaí F.C., vestiu o número 18 para, juntamente com Wouden e Ayew, fazer esquecer Jimmy, Nuno Gomes e Simic, recentemente alienados da prateleira patrimonial do bessa.
Trata-se de mais um flagrante exemplo do dramático “Efeito-Sombra” , que conta com quase tantas vítimas como a própria morte por excesso de dança. Não só vinha substituir os avançados atrás referenciados, mas também tinha sobre os seus ombros o peso do milenar legado de inúmeros outros avançados brasileiros que equiparam de xadrez: Marlon Brandão, Artur, e até Nélson Bertolazzi.
Com toda esta herança e espectativa acumulada, era difícil triunfar. No entanto, deixo aqui uma palavra de apreço a este jogador, proprietário de um bom nome futebolístico, ao qual porventura não foram dadas as oportunidades necessárias para que vingasse em terras lusas.



Muitas destas contratações-cataclismo, em que o valor monetário dos atletas largamente ultrapassa a sua valia futebolística, são resultado de uma travessia no deserto, ou seja, um período sem títulos em que a fome aperta e o desespero toma o lugar da razão.
Outra das razões será a venda de um importante jogador do clube, e a emergente necessidade de arranjar um substituto à altura. Esta situação põe não só o clube, que tem pressa para arranjar essa nova mais valia, em pressão, mas também o novo reforço, rotulado de craque e de nova coqueluche do clube, mas com uma terrível sombra atrás de si, a do seu predecessor.
Assim sendo, achei que a sequência lógica da secção tiro no pé fosse uma secção relativa às duas justificações mais patentes para este fenómeno.


p.s.: para as mentes mais críticas, contra os ímpetos da vontade poucas críticas são válidas. Escrevi sobre estes. Queria e podia ter escrito sobre Washington Rodriguez, Escalona, Christian Uribe, Carlos Bossio, Ivica Dudic, Silvio Maric, e em muitos outros duma lista infelizmente no roçar do interminável. Digo isto pois sei à priori que já iam fazer comentários a largar nomes que olvidei. Mesmo assim, larguem os nomes, sei que vos dá particular júbilo, e com este apontamento prévio, asseguro-me de que "trabalho como rede".