Thursday, April 12, 2007

Ovnis Futebolísticos, tomo 2

Parte III: Tiro no pé

Não são raras as vezes que o anónimo adepto de futebol questiona “quem serão os olheiros do meu clube?”. Isto após assistir à mais recente e dispendiosa contratação do seu clube a tratar o esférico por meritíssimo.
Quero nesta secção destacar algumas dessas contratações e perguntar da mais alta das montanhas que não nos congelam a ponta do nariz e do fundo dos meus pulmões, mas com uma voz peculiarmente frouxa: “porquê?”. Quão amblíope poderá ser um olheiro até o considerarem legalmente cego?
Eu quero, palavra de escuteiro que nunca fui, acreditar que eles não são tão maus quanto aparentaram. Inadaptação, casco partido, ou os já referidos peidos nauseabundos de Vítor Vieira no autocarro da equipa, deve haver uma explicação verosímil para tamanha aparente falta de jeito. Aos visados, que tenham tido noutros clubes melhor fortuna do que em Portugal.


Gil Baiano

Se é para começar, que se começe em grande! Com uma espessura capilar inversamente proporcional à qualidade futebolístico, Gil Baiano chegou ao aeroporto da Portela com um discurso vencedor: “sou um defesa com grande projecção ofensiva, e bato bem livres”.
Estávamos na época 96/97. De Gil esperava-se no mínimo um Cafú obeso. Mas tal como se diferenciava do capitão da canarinha pelo diferente ramo capilar por onde enveredou, poucas semelhanças também foram encontradas nos atributos futebolísticos.
Com a venda do latifundiário do terreno lateral direito dos últimos anos, Fernando Nélson, candidataram-se à posição Gil Baiano, Abdelilah Saber e Luis Miguel. 3 sapos para um galho. Robert Waseige, treinador na altura, ainda beijou Gil em busca dum bem aparecido principe para a faixa dextra defensiva, mas após 10 jornadas a titular e uma derrota em Setúbal, o brasileiro largou definitivamente o lugar. Passada outra jornada, o amargo de boca surgiu entre os arcaicos e mirrados lábios do treinador belga que, vítima de um há muito anunciado falhanço colectivo, foi psicológicamente chicoteado, dando lugar a um tal de Octávio “muito trabalho” Machado.


Balajic

Chegou a Alvalade proveniente do Varteks, consagrado clube croata. Fugia da instabilidade dum país na ressaca da guerra civil, e esperava encontrar a paz nas margens do Tejo.
Possante (1,83 metros por 78 kg.), auto caracterizou-se como sendo uma mescla entre Paolo Maldini e Roberto Carlos. Esqueceu-se foi de especificar quais as características que possuía de cada um. Arriscamos aqui dizer que de Maldini, porventura o chulé e o número que calça. De Roberto, o traulitar projectado e o gosto por Goran Bregovic*.
Em Alvalade, aquele que outrora havia sido visto como potencial sucessor de Jarni na selecção croata pouco ou nada fez. A forte concorrência do central Vujacic adaptado à esquerda e recentemente entrado na casa dos intas, de um Pedrosa que sonhava em ser trinco (a tendência a posicionar-se no centro do terreno era de moer a paciência a qualquer adepto leonino), ou mesmo de um Carlos Fernandes acabado de chegar a sénior, também não facilitaram a adaptação do potencial Roberto Maldini. Ou seria Paolo Carlos?

*compositor sérvio.


Ivica Krajl

O resumo da carreira de Krajl em Portugal resume-se a meia dúzia de jogos, os correspondentes frangos, e muitas piadas com o seu nome.
Não está mau, para quem custou meio milhão de contos e era titular da selecção jugoslava que, como é apanágio da maioria dos países de leste, é uma famosa escola de guarda-redes.
Fazendo as contas, se houver 15 anedotas* com o nome ou com os “patos” de Ivica, fica qualquer coisa como 33.000 contos a graçola.
Assim sendo, podemos eleger Ivica Krajl como o mais caro comediante do futebol português!

*Número estimado depois de uma intensa pesquisa junto dos maiores (fisicamente) comediantes nacionais.


Michael Thomas

Antigo internacional inglês e estrela em clubes como o Liverpool e o Arsenal de Londres, veio para a Luz rotulado como o “homem que vai pôr este meio campo na ordem”. No entanto, vá-se lá saber porquê, os sempre ponderados, escrupulosos e elegantes aficionados benfiquistas nem lhe deram o benefício da dúvida. Mal os colegas lhe endereçavam a bola, um ensurdecedor coro de assobios viajava do terceiro anel ao relvado. Pura e simplesmente, o já-não-tão-jovem-como-outrora Michael não conseguia estabelecer o contacto silencioso com o couro.

Dono duma velocidade digna dum poste de electricidade, compensava através da perfeição com que executava a vertente táctica do jogo. Canalha esta sociedade que habitamos, na qual as qualidades tácticas são apreciadas somente por treinadores e comentadores, escapando ao olhar arcaico do vulgar adepto de futebol. Só passa a redondinha para o lado? Assobia! Não sobe perigosamente no terreno para fazer o gosto ao pé? Assobia! Não tem as unhas cortadas convenientemente? Assobia e cospe!


Como certos gurus do relato diriam, tratava-se de um jogador «esclarecido, de cultura táctica, importante para o grupo de trabalho». Como certos misters de bancada diriam, isso é uma boa descrição para o encarregado da relva, para o condutor do autocarro dos jogadores, ou para o cabrão que anda a pinar a minha mulher.

Voltando às assobiadelas, todos nós sabemos o quão desagradável é ouvir um enorme coro deles vindo de 50.000 pessoas. Ou talvez não o saibamos, mas com um pouco de senso comum enquanto equipados com justos calções encarnados, certamente que conseguimos imaginar. Para aqueles que ainda estão com dificuldades, imaginem o incómodo que será voar com um bando de aves barulhentas enquanto migram para climas mais quentes (partimos do pressuposto que o leitor se imaginou como uma das aves, ao invés de como um ser humano mutante alado).

Se cada vez que a bola tocava em Thomas era meio caminho andado para uma valente enxaqueca, os jogadores do Benfica começaram a fazer o lógico: ninguém passava a bola ao trinco britânico. Este ficava no meio do campo a pedi-la incessantemente, mas o esférico, para bem dos tímpanos ao nível do relvado, nunca lhe chegava. Assim sendo, Souness acabou por ver que, a atacar, o seu Benfica jogava 10 contra 12, pois Michael Thomas cortava uma imensidão de linhas de passe. E foi assim que o jogador que veio da terra dos Beatles caiu em desgraça no seio da equipa e perdeu o lugar como patrão do miolo encarnado.

Não obstante, e apesar de ter chegado a Portugal putrefacto, Michael Thomas foi sempre um digno cumpridor do código de conduta do clube, algo que salutamos, ou não fosse o nosso lema «Antes um valente aselha mas bom profissional do que um anão em campo».


Jean Jacques Missé-Missé

Ao falar do treinador belga Robert Waseige, é inevitável falar do seu menino d’oiro. O único jogador que veio do Charleroi para o Sporting aquando da contratação do treinador foi este avançado móvel, o internacional camaronês Jean Jacques Missé-Missé.
Rotulado de diabo para qualquer defesa, tratava-se de um deambulador ofensivo que transformava a cabeça de qualquer defesa em papas de aveia com as suas constantes movimentações e raides. Tantas eram as deambulações que terminou deambulando-se constantemente para fora das zonas de finalização, acabando deambulado no banco de suplentes: vítima dos resultados, o treinador não durou muito tempo, deixando o seu filho africano órfão de pai em pleno Estádio de Alvalade. Octávio não engraçou com o avançado, e a concorrência também não facilitou: Paulo Alves (lenda viva do efeito-poste*), Ahmed Ouattara (esse tractor humano originário da Serra Leoa) e César Ramirez (Platini do Paraguai) nunca deram grandes veleidades a Jean Jacques.
Prosseguiu carreira na Turquia, mas o trauma da orfandade nunca mais foi superado, e os olhos de Missé-Missé jamais brilharam como quando perto de Waseige.
No entanto, fica para a história, assentado nos registos como o jogador que iniciou a lenda de grandes avançados com o número 16 na dorsal verde-e-branca: Missé-Missé, César Ramirez e, posteriormente, Mário Jardel.

*Ratoeira táctica que será desenvolvida atempadamente.


Julian Kmet

Ao pensar no extremo esquerdo, começamos a ponderar qual será o tempo de adaptação razoável necessário para que um jogador se sinta integrado no novo clube e na nova realidade com que se vê deparado.
Kmet chegou a Alvalade em 1998, juntamente com Duscher. Foi uma dispendiosa contratação que visava solucionar os problemas do lado esquerdo leonino, órfão desde há muito.
Duscher tornou-se imediatamente num elemento indispensável no meio campo leonino. Kmet continuou a passear o seu belo penteado na parte de fora das linhas laterais. Estranho foi o facto do mister Jozic não lhe ter dado praticamente tempo nenhum de jogo para que este provasse diante do público ser merecedor de confiança.
Depois de muito estudo decidi estabelecer o tempo razoável de integração em meia época. Beto Acosta chegou a meio da época e só começou a “bombar” na época seguinte. Carlos Paredes também não foi titular mal chegou ao Porto. São jogadores que vinham com provas dadas nos países de origem, e após uns meses mais duros mostraram todo o seu valor. Não duvido que Kmet fosse um bom jogador na América do Sul, pois havia sido internacional sub-20 e custou ao Sporting mais de meio milhão de contos. Infelizmente, nessa altura, 2 coisas jogaram em prejuízo do atleta: o facto de a paciência (humana) ter limites, e a triste circunstância de ainda não ter sido inventado o “adaptador” (máquina em que o jogador entra por uma extremidade, ainda inadaptado ao clube, saíndo da ponta oposta no limiar das suas capacidades futebolísticas). Azar, Julian Kmet. Que grande azar.


Jacaré

Chegou ao Bessa na época de 97-98 rotulado de avançado matador. Na altura foi a contratação mais cara de sempre do clube axadrezado. Proveniente da já mítica cantera do Avaí F.C., vestiu o número 18 para, juntamente com Wouden e Ayew, fazer esquecer Jimmy, Nuno Gomes e Simic, recentemente alienados da prateleira patrimonial do bessa.
Trata-se de mais um flagrante exemplo do dramático “Efeito-Sombra” , que conta com quase tantas vítimas como a própria morte por excesso de dança. Não só vinha substituir os avançados atrás referenciados, mas também tinha sobre os seus ombros o peso do milenar legado de inúmeros outros avançados brasileiros que equiparam de xadrez: Marlon Brandão, Artur, e até Nélson Bertolazzi.
Com toda esta herança e espectativa acumulada, era difícil triunfar. No entanto, deixo aqui uma palavra de apreço a este jogador, proprietário de um bom nome futebolístico, ao qual porventura não foram dadas as oportunidades necessárias para que vingasse em terras lusas.



Muitas destas contratações-cataclismo, em que o valor monetário dos atletas largamente ultrapassa a sua valia futebolística, são resultado de uma travessia no deserto, ou seja, um período sem títulos em que a fome aperta e o desespero toma o lugar da razão.
Outra das razões será a venda de um importante jogador do clube, e a emergente necessidade de arranjar um substituto à altura. Esta situação põe não só o clube, que tem pressa para arranjar essa nova mais valia, em pressão, mas também o novo reforço, rotulado de craque e de nova coqueluche do clube, mas com uma terrível sombra atrás de si, a do seu predecessor.
Assim sendo, achei que a sequência lógica da secção tiro no pé fosse uma secção relativa às duas justificações mais patentes para este fenómeno.


p.s.: para as mentes mais críticas, contra os ímpetos da vontade poucas críticas são válidas. Escrevi sobre estes. Queria e podia ter escrito sobre Washington Rodriguez, Escalona, Christian Uribe, Carlos Bossio, Ivica Dudic, Silvio Maric, e em muitos outros duma lista infelizmente no roçar do interminável. Digo isto pois sei à priori que já iam fazer comentários a largar nomes que olvidei. Mesmo assim, larguem os nomes, sei que vos dá particular júbilo, e com este apontamento prévio, asseguro-me de que "trabalho como rede".

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