Sunday, May 20, 2007

Factos e Figuras: O Último Dino

Raimundo Barreto. Para a maioria das pessoas este nome não diz absolutamente nada. E se eu disser que foi o último da sua espécie? Não o último Dino, pois depois dele já houve o defesa do Farense, mas sim o último dos avançados especialistas na capacidade de penetração.
Era um avançado fabuloso que, embora nunca tenha chegado a um grande, ficou na memória de todos os adeptos do bom futebol. Sempre figura de prôa em todos os clubes por onde passou, foi ao serviço do Beira Mar que se viu elevado ao estatuto de mito vivo do campeonato nacional. Oportuno como Fary, forte como Cílio Souza, tecnicista como Jorge Silvério. Era um jogador completo, esclarecido, de cultura táctica.

Ainda deve estar bem colorida na mente de Abel Xavier aquele atraso para Neno em pleno Mário Duarte. Saiu curto, e como era seu apanágio, o oportuno Dino intrometeu-se e deu a liderança no jogo ao seu clube, tendo Isaías empatado apenas nos minutos finais.

O avançado era tão importante em Aveiro que chegou a ser diagnosticada ao clube uma «Dinodependência», pois os restantes avançados, como Draskovic, Kristic ou Miguel Bruno, não conseguiam acompanhar o andamento do brasileiro, que fez furor de amarelo até aos 33 anos de idade. Aí transferiu-se para Setúbal, para tentar fazer esquecer Yekini. A idade e as lesões, no entanto, não o deixaram ir mais longe.

Digam o que disserem, Dino será recordado para sempre como um fóssil do futebol nacional, cujas memórias devem ser preservadas e passadas às novas gerações.

Ratos Atómicos

Os treinadores portugueses, na sua grande maioria, adoram não perder. Assim sendo, os defesas são os seus meninos bonitos e o contra ataque a sua estratégia preferida. Uma equipa formada por um guarda-redes, cinco defesas, quatro médios e um avançado assenta que nem uma luva nesse sistema. Se os médios se desdobrarem bem e tiverem fôlego para acompanharem o avançado, bestial. Senão, paciência. Chuta-se a bola para a frente e o avançado que corra atrás dela. Neste último caso, convém que o avançado não seja um Paulo Alves. O efeito poste-de-electricidade não funciona bem aqui. Um Dino já seria mais indicado, pois não só é forte como também veloz. Agora, um rato atómico é que era… É mais veloz que todos, chegando à bola antes do guarda-redes, depois de ter passado debaixo de dois centrais de 1,90 cm.

Estou a falar daqueles jogadores que tiveram que decidir entre uma carreira no futebol ou no atletismo. Não em meio-fundo, mas nos 100 metros. Se for nos 110 metros com barreira, melhor, pois não só consegue passar por baixo das pernas dos defesas, como consegue saltar por cima dos mesmos.

Trata-se de uma táctica com duplo efeito: não só se possui um avançado muito rápido para bem praticar a arte do contra ataque, como o próprio facto do jogador ser pequeno deixa os defesas adversários com uma falsa sensação de segurança, pois aquele pequeno rapazote não será com certeza adversário à altura do possante defesa. Nada mais falso... a pequena dimensão de um Gremlin não o torna menos diabólico. A mesma teoria se aplica a estes velozes atacantes.


RATOEIRA TÁCTICA NÚMERO 6: O “EFEITO RATO ATÓMICO”
Em tácticas que prezam a solidez defensiva, descurando quase por completo o ataque, é bastante mais eficiente usar um avançado rápido que chegue às bolas aliviadas antes dos defesas, do que um alto e lento avançado que apenas servirá para perseguir os defesas e tapar linhas de passe, não garantindo posse de bola.


São jogadores com os quais não é recomendado jogar ao 1-2-3 macaquinho do chinês a dinheiro. Dito isto, passo a apresentar alguns dos mais famosos intérpretes desta “RT”:


Rosário

O antigo jogador do Torreense era um avançado extremamente irreverente e igualmente minorca.
Nunca chegou a representar um grande, apesar do propalado interesse na sua contratação, mais especificamente através das palavras de Sousa Cintra, que quando questionado sobre o possível interesse do Sporting em Romário, respondeu categoricamente que se trataria seguramente de um erro ortográfico, pois o Sporting estava interessado era no Rosário!
E qualquer elogio que eu escreva agora tornar-se-á obrigatoriamente redundante perante o mal-entendido descrito acima.


Fua

Consultando um dicionário, obtemos que “Fu” significa «exclamação designativa de nojo ou desprezo». Seguindo uma lógica (não sei bem qual será), temos que Fua será o mesmo, versão feminina.
Isto leva-nos onde? Leva-nos à única conclusão possível de que a alcunha de Fernando José vem das sucessivas vezes em que se ouvia das bancadas o escárnio das esposas dos defesas adversários, enquanto o velocíssimo extremo leiriense dilacerava os cônjugues, deixando-lhes os rins espalhados pelo relvado.
Perante tal lógica renego à necessidade de apresentar provas ou outros argumentos.
Com 160 centímetros, Fua era seguramente dos mais pequenos jogadores do campeonato, sendo confundido muitas vezes com uma mera criança. Isto facilitava-lhe a vida: ninguém quer magoar uma criança. Nem um anão. Ficaria mal visto. Quem diz magoar fisicamente, diz magoar emocionalmente, pelo que lhe roubar a bola dos pés estava a priori fora de questão.
Fez também parte daquela maravilhosa equipa leiriense que parecia saída directamente de um dispensa em Chernobyl.


Forbs

O que dizer desta gazela africana que passou por grandes clubes como o Sporting, o Boavista e o Braga? Muito, certamente. Relativamente grande para um extremo veloz (1,76 m), era um jogador temível, quando em forma. Pena que isso não fosse durante grande parte da época. Com 69 quilos, era um jogador que, mal embalasse, muito dificilmente seria alcançado.
No futebol português, em que os defesas se assemelham a girafas (altas mas lentas) e hipopótamos (grandes mas lentos, com grandes bocarras sempre abertas em direcção ao trio de arbitragem – sim, trio, pois aquele 4º arbitro nunca me convenceu…), José Manuel Forbs era como que um gnu no meio da savana.
Perito nas deambulações da linha em direcção ao centro do terreno, não perdia uma hipótese para testar o remate, que saía invariavelmente enrolado.


Krpan

O carequinha vinha do mundial de 98, onde representou a fabulosa Croácia de Suker (seu sózia futebolístico, mas sem cabelo), depois de uma época em que se havia sagrado melhor marcador do campeonato croata.
Infelizmente, no Sporting, não fez grande furor. Muito rápido, sem dúvida, mas com quantidade equivalente em falta de jeito.
Em Leiria tornou-se num novo jogador, um míssil apontado para as balizas contrárias, mas nunca mais confirmou os dotes de goleador que o fizeram outrora um assassino futebolístico a sangue frio.
Provavelmente dos mais altos intérpretes da rato-atomicidade, Petar apresentava-se com 178 centímetros, mas curvava-se como ninguém de modo a cortar o vento e ganhar segundos extra. O seu cabelo, ou a ausência do mesmo, também era um bom factor para coleccionar velocidade, tal era a sua aerodinâmica.


Helcinho

Que adepto do futebol de ataque não recorda com nostalgia as tardes solarengas no São Luís, em que o extremo brasileiro pegava na bola, corria que nem um salmão em direcção ao local da desova, para assistir os avançados da equipa com centros aproximadamente milimétricos? Tanto Djukic como Hassan devem muitos golos ao reguila brasileiro.
Proveniente do Paços de Ferreira (onde também alimentou a gula goleadora de Rudi e Jussié, naquela equipa que contava com a famosa dupla de centrais Chico Faria – Sérgio Cruz), Hélcio Conegunres Ferreira manteve-se à tona d’água enquanto o grémio da capital do móvel desceu de divisão.
Com 1,74 metros por 72 quilos, Helcinho não era o típico rato-atómico. A sua fisionomia tornava-o mais parecido com uma ratazana-atómica.

Apresentações? Não, Obrigado!

Nem tudo é estranho e circense no futebol nacional, diz o homem-bala. Pérolas. 99% das vezes o mister corta-se e perde o polegar ao tentar abrir a ostra. 1% das vezes aparece uma esfera tão reluzente quanto o cucuruto de Caccioli. Falo daqueles jogadores fabulosos, que por uma razão ou por outra, ou ainda por outra, nunca chegaram a vestir a camisola de um clube grande, mas que no entanto são sobejamente conhecidos e não necessitam de apresentações. Excepto Miranda, esse fantasista que chegou a equipar de águia ao peito, mas por breves e saudosos momentos. Para ele.

Quero então destacar alguns desses mitos do nosso futebol, como que dizendo: “Sim senhor, eu vi-te, nós vimos-te, todos te viram. Menos os olheiros dos grandes… pensa assim: pelo menos foste titular no Beira-Mar, algo que nem o grande Piguita conseguiu!”

Caccioli

Nos relvados nacionais, o nome Milton Caccioli é sinónimo de magia. Não de ilusionismo, de magia. Possuidor de uma visão de jogo global aliada a um Q.I. futebolístico digno de um predestinado, tudo condimentado com uma pitada da típica irreverência do futebol brasileiro, fizeram do número 10 um dos maiores estrategas dos relvados nacionais da década de 90.
Os seus passes de morte, juntamente com o seu remate de longa distância que tinha tanto de espontâneo quanto de venenoso, faziam de Caccioli uma ameaça constante. Quem não se lembra dos extraordinários golos que Milton marcava através de potentes remates do meio da rua?
Tendo jogado também em Braga (inicialmente) e em Faro (posteriormente), foi em Barcelos que “abriu o livro”. Nas épocas em que serviu o Gil Vicente, o “careca”, como era amistosamente apelidado, tornou-se num elemento imprescindível para a estratégia do mister. Pode-se mesmo afirmar que toda a estratégia dos “galos” rodava em torno do playmaker brasileiro.

Em homenagem ao jogador que foi e ao que contribuiu para o desenvolvimento do nosso futebol, decidi alterar as líricas letras da cantiga de intervenção de Paulo de Carvalho, de “os meninos à volta da fogueira” para “os galos à volta de Caccioli”. O nome adapta-se bem à antiga táctica gilista, e será para sempre recordado como a Ode a Caccioli.


Vado

Provavelmente o único jogador que, sem ter vestido a camisola de um dos grandes do nosso futebol, chegou a ser o número 10 da equipa das quinas. Esse foi certamente o ponto mais altivo de uma grande carreira, teve lugar no torneio indoor de Toronto, em 1995.
Osvaldo começou a carreira em Portimão, tendo mesmo atingido a sua primeira internacionalização em 1989, numa derrota por 4-0 contra o Brasil. Vou arriscar aqui ao dizer isto, mas é capaz de não ter agradado ao seleccionador, dado que só voltaria a ser convocado para o torneio atrás referido.
Transferiu-se para o Marítimo, onde municiou exemplarmente aquela grande dupla constituída por Paulo Alves e Alex Bunbury. Tal como Caccioli, também Vado era o motor da equipa. Ele fazia funcionar a táctica de Autuori, comandando um meio campo que contava também com Zeca e Luís Gustavo.
Pelo estado do seu cabelo, despenteado e maltratado, posso aqui certamente concluir que foi um bom intérprete do “efeito-microfone” . Ou talvez seja só das violentas rajadas de vento que assolavam os Barreiros.
Depois de muitos anos na Madeira, seguiu para Braga. No entanto o estádio 1º de Maio, mais resguardado das ventosidades, não permitiu que o cabelo e o futebol de Vado continuasse rebelde e imprevisível.
Apesar de possuir um traquejo físico aquém de pouco impressionante (contava com uns meros 167 centímetros), o fantasista, natural de Angola, tinha dentro de si uma dose inata de talento que fez dele um dos mais virtuosos médios ofensivos do nosso campeonato.


Miranda

O que há a dizer sobre Miranda, senão o facto da quantidade de cabelo estar inversamente relacionada ao talento futebolístico. Nascido e criado no clube da Póvoa, era um polivalente médio que fez história no principal escalão nacional.
Após 5 épocas ao serviço do Varzim, o salto. Abriram-se-lhe as portas da Luz, só que Miranda ficou encadeado. Seguiram-se outras 5 épocas que lhe deram a fama não só de extraordinário líder a partir do centro do terreno, mas também de um dos maiores saltimbancos do nosso futebol. Chaves, Estrela, Beira-Mar, Paços e Espinho foram as paragens seguintes, até regressar a casa, ao Varzim.
Em 90/91, vestido com as cores do Estrela da Amadora, teve aquela que foi a sua melhor época na 1ª divisão: 37 jogos e 7 golos. Contracenou em grandes palcos do nosso futebol com magos do passado como Álvaro “6 dedos” Magalhães ou Ricky, e com promessas futuras como Dimas, Abel Xavier e Paulo Bento. Com este último e com o eterno capitão Rebelo (nessa altura subido no relvado a jogar a trinco) chegou mesmo a formar um fabuloso tridente no miolo do terreno.

Nogueira

Se o arquétipo de defesa central do futebol português é um central alto e forte, impiedoso na marcação e com um sentido posicional acima da média, então Nogueira não se enquadra no modelo.
Internacional português por 7 ocasiões (entre 91 e 94, tendo marcado 2 golos), era um verdadeiro especialista em entradas “à queima”, daí a razão para a sua barba, capaz de acender qualquer fósforo.
Como seria de esperar para um futebolista com 1,90 metros, Nogueira era algo duro de rins. Compensava, no entanto, com um impecável jogo aéreo. Rezam as crónicas que era, também, um jogador de uma disciplina táctica exímia.
Juntamente com Pedro Barny, e ladeados por Paulo Sousa e Caetano, defenderam sempre acerrimamente a baliza à guarda do gadelhudo Alfredo. Transmitiu toda a sua sabedoria a Rui Bento, seu pupilo e sucessor na defensiva axadrezada.

Uma Dupla de 3 Centrais

Trata-se de uma expressão que certamente não será virgem na mente de muitos adeptos de futebol. “Epá isso foi uma bácora de um comentador!”, dirão muitas pessoas… nada mais afastado do meridiano da veracidade! Os comentadores não dizem bácoras, largam sim comentários cuja total captação está ao alcance de um restrito grupo de predestinados.

Usualmente, uma dupla de três centrais é formada por dois bons defesas e um mau defesa. Assim sendo, os bons defesas têm que ter atenção não só aos avançados contrários, mas também às constantes “casas” do defesa menos bom.
A mais famosa dessas duplas foi formada por três defesas benfiquistas: Hélder, Bermudez e Tahar. Enquanto que Hélder tinha indicações específicas para não largar o ponta-de-lança adversário, a missão de Tahar era marcar em cima Bermudez.
Mas Bermudez pouco ou nada deu ao futebol nacional, logo a importância que lhe vou dar será proporcional.

Pelo contrário, o central canarinho Eliseu também fez parte de uma dessas “duplas”. No Beira-Mar da época 94/95, havia um defesa que não dava descanso aos seus companheiros de sector. O seu nome? Piguita! O técnico do Beira-Mar, inclusive, teve que implementar uma estratégia de rotatividade aos outros centrais de modo a conseguirem acompanhar o cabo-verdiano. Passando a apresentar os outros centrais:

Eliseu era um central poderosíssimo, que com 1,91 metros, era um rei no ar. Fez-se jogador no Beira-Mar, tendo depois jogado em Setúbal e acabado a carreira na China, onde foi treinado por Toni.
Dinis era igualmente possante. Barbudo e alto (1,92 m), não dava tréguas aos atacantes adversários e era também ele intransponível no jogo aéreo. Reza a lenda que certa jornada Chiquinho Conde chegou a ser dado como desaparecido por entre a espessa barba de Dinis.
Por último surge o delfim Hugo Costa, uma eterna promessa do futebol nacional que, como é apanágio das mesmas, tem tantas hipóteses de atingir o seu potencial como a fénix de chegar à terceira idade.
Questiono-me agora porque terá a equipa de Aveiro usado “uma dupla de três centrais”, tendo três centrais perfeitamente decentes no banco… É por estas e por outras que os clubes acabam por descer de divisão. E a escolha da expressão “por outras” não é apenas um modo de falar, mas sim algo bastante específico, como entregar as missões ofensivas a Tarcísio, avançado brasileiro que tinha apenas 1,68 metros e nenhuma prova dada nos nossos relvados, a um Pitico em final de carreira e a um Toni que tardava a afirmar-se (tardou, tardou, tardou, até que teve de se ir deitar porque amanhã era dia de escola).